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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Oportunidade perdida


A Desvinculação de Receitas da União (DRU), vigorando desde 1994 e prorrogada sucessivamente, tem o seu fim previsto para dezembro de 2011. Criada para fazer frente às incertezas do Plano Real, transformou-se num mecanismo de drenagem de receitas vinculadas a programas previdenciários, assistenciais e da área médica, de caráter, a nosso ver, irregular. Não se pode admitir que, permanecendo em vigor os benefícios estabelecidos em Lei, possa, de alguma forma, ser subtraída qualquer receita do Sistema de Seguridade Social.


A necessidade de uma ‘desvinculação’, para permitir que o governo manipule o dinheiro, sugere que os recursos previstos no artigo 195 da Constituição Federal sejam vinculados às necessidades financeiras da Seguridade Social. Deste modo, todas as receitas referidas são comprometidas pela CF 1988 e não podem ser alcançadas por qualquer determinação, a não ser que se cortem os benefícios em vigor. É isso o que se quer? Claro que não; mas é o que, sorrateiramente, vêm tentando.


A esperança de que essa irregularidade pudesse ser coibida perdeu-se num primeiro momento, quando da realização da sessão da Câmara dos Deputados, no último dia 8 de novembro. É lamentável o que se viu e ouviu durante os debates. De um lado, parlamentares lúcidos, preparados para a discussão. De outro, infelizmente, a maioria, votando ‘com o partido’, ‘com o governo’. E assim foi.


O interesse social, os esclarecimentos prestados e a comprovação da ilegalidade da aplicação do ‘mecanismo DRU’ sobre as receitas da Seguridade Social não foram levados em conta. Prevaleceu o compromisso político ou, talvez, o desconhecimento da matéria em pauta. Perdemos, então, a primeira rodada da tentativa de derrubar a DRU, por vencimento do prazo de vigência. Ou, pelo menos, extinguir seus efeitos sobre as receitas da Seguridade Social, como proposta lúcida do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE).


Causa-nos admiração que, passado tanto tempo, de 1994 até 2011, não se tenha feito a pressão necessária, junto ao Congresso Nacional, ou mesmo, se procurado os remédios judiciais para coibir essa verdadeira sangria nos recursos voltados para o atendimento de trabalhadores e da sociedade em geral. Não se pode desconhecer o § 5º do artigo 165, que estabelece e tipifica os três orçamentos distintos na Lei Orçamentária.


O da Seguridade Social está lá, bem definido, que atenderá, exclusivamente aos seus programas. Entender, então, que todos esses recursos financeiros estão disponíveis para uso em qualquer área, ao bel-prazer da administração pública, é um absurdo. Se esse fosse o conceito, o legislador de 1988 teria definido um Orçamento único. E não foi isso o definido, nem o votado. Fala-se a todo tempo em reforma da Previdência Social. Outra impropriedade: sempre que se mexer na Previdência, estarão alterando o Sistema de Seguridade Social.


Perguntamos: o que pretendem, afinal, modificar? Até agora, nada de racionalização nem modernização; só a tentativa de corte de direitos, que, tempos atrás, chamávamos de direito adquirido. Pagar menos para sobrar mais parece ser a lógica dos reformadores. Pelo exemplo do que assistimos dia 8, sem conhecimento técnico para a empreitada.


Costumam invocar o que consta do artigo 201 da Constituição Federal, para justificar as mudanças que querem impor a esse maravilhoso sistema de 88 anos de existência. Tomam como base o que dispõe esse dispositivo, que recomenda tacitamente: observar ‘critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial’ da Previdência Social. Ao contrário disso, impõem o corte de 20% das receitas da Seguridade, agravado pelas sucessivas renúncias fiscais concedidas pelo governo, numa perda de centenas de bilhões de reais, nos últimos anos. Protegem as empresas em detrimento da Seguridade Social.


Causou-nos satisfação ver a divulgação dos números da ANFIP, tomados como base para a defesa da extinção da DRU, o que seria de grande valia para todos os brasileiros.


Outra rodada de votação ocorrerá no próximo dia, 22 de novembro. Até lá!

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terça-feira, 1 de novembro de 2011

Análises fora do foco


A Previdência Social continua na berlinda. As considerações e propostas para ‘reformas’ são sempre baseadas em insuficiência de recursos, longevidade, disparidade de idade nos casamentos, e coisa tais que não justificam coisa alguma, porque não têm sustentação. Nada tão difícil de ser entendido. O foco das análises está errado! Basta que não se permita desvio das receitas da Seguridade Social e tudo estará equilibrado.


Explicamos: apesar dos desvios praticados, através da Desvinculação de Receitas União (DRU) e renúncias sucessivas concedidas a diversos segmentos da economia, a Seguridade Social, pagando todas as despesas autorizadas, deixou no Tesouro Nacional o expressivo saldo de R$ 58 bi, ao final do exercício de 2010, repetindo os anos anteriores. É intrigante continuarem a usar o argumento do déficit (que não existe!) para justificar reformas para a Previdência Social. Se existisse o tal ‘rombo’, de onde tirariam os 20% da DRU? Claro que isso é um engodo!


Por outro lado, agravando o verdadeiro saque ao Orçamento da Seguridade Social, ocorrem as sucessivas renúncias fiscais, que apartam do orçamento quantias expressivas que se prestariam, isto sim, ao pagamento dos precatórios dos segurados do INSS, à expansão dos programas assistenciais e, tão urgentemente, à recuperação dos serviços de saúde, precários em todo o Brasil. Para nós, não existe outra prioridade que se possa sobrepor a essas relacionadas.


Pior é que têm coragem de considerar ‘generosos’ os benefícios pagos pelo sistema. O teto desses pagamentos, que deveria estar em R$ 5.450,00 (dez salários mínimos), hoje só alcança o valor de R$ 3.689,66 – amargando a perda de cerca de 30% do que seria esperado. Aliás, as perdas impostas aos segurados chegam às raias do inacreditável: como imaginar que se pudesse impor, no decorrer da conquista dos direitos, o fator previdenciário? E o achatamento do valor dos benefícios, resultante do uso de percentuais diferenciados do concedido ao salário mínimo, para sua correção? A integralidade de seu valor, infelizmente, é letra morta; só cabe na Constituição Federal.


Temos ainda o erro de se abolir o pecúlio especial, benefício que remunerava o segurado que voltasse ao trabalho após a aposentadoria, que também foi para o espaço, sem qualquer cuidado. Hoje pensam em reimplantá-lo. E faz todo sentido: o princípio básico da contrapartida, que existe na doutrina previdenciária, foi desconsiderado quando resolveram banir o pecúlio.


Estão assustados com a receptividade do Poder Judiciário ao pleito da desaposentação. Não tem sustentação, para o STF, o fato de o segurado contribuinte pagar contribuição e não ter direito ao retorno de qualquer benefício que seja. Amadorismo puro!


Gosto muito de me referir e exaltar a capacidade técnica dos antigos pensadores da Previdência Social, que organizaram os seus estamentos. Tudo lógico, justo e seguro. Os ‘reformadores’, por outro lado, baseados em premissas falsas, querem de qualquer forma reduzir ou extinguir direitos dos segurados.


O foco correto é: executar os devedores da Seguridade Social; retirar a DRU das receitas da Seguridade Social; suspender, definitivamente, a concessão de renúncias fiscais sobre as receitas da Seguridade Social; e devolver direitos legítimos aos segurados.

Isto feito, estará sendo respeitado e garantido o artigo 201 da CF, quanto ao ‘equilíbrio financeiro e atuarial’ que visa a proteger a Previdência Social.

E, a propósito, não conhecemos qualquer dispositivo legal que permita a qualquer gestor, em qualquer nível, apoderar-se de recursos vinculados às ações da Seguridade Social, ou desviá-los, sob qualquer pretexto, ao arrepio do que reza o artigo 195 da nossa Carta Magna.
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