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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Oportunismo


A mídia está repleta de notícias desencontradas sobre financiamento da Saúde. Não só isso: confundem comprometimento de receitas de municípios, estados e União com necessidade de criação de receita para os programas do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Emenda 29, que disciplina esse comprometimento, está adormecida no Congresso Nacional há longos anos, cremos que por desconhecimento do que se trata, ou pelo oportunismo de se tentar conseguir ‘mais algum’ por parte dos prefeitos, governadores e parlamentares. Felizmente, nem todos. Trata-se, simplesmente, de disciplinar o uso das receitas públicas em poder e sob gestão de estados e municípios. Impedindo, por exemplo, seu uso para custear merenda, saneamento básico, pessoal...

Grande número de municípios já destina os 15%, previstos na Emenda 29, para os compromissos da Saúde. Igualmente, a maioria dos estados já compromete 12% – e até mais – para atender as obrigações do SUS em sua área de abrangência. A União, no que cabe ao Ministério da Saúde, destinou, em 2010, R$ 61,096 bilhões para a cobertura de seu vasto programa de atendimento básico, vacinação, hospitalização, aquisição de insumos, pessoal etc., recursos oriundos do Orçamento da Seguridade Social.

É impróprio e errado afirmar que a União custeou o sistema SUS. Ele se mantém, desde sua inserção na Constituição Federal de 1988, com as receitas da Seguridade Social, dispostas no artigo 195. É dinheiro vertido como contribuição para a Seguridade; não arrecadado por meio de impostos.

Há mazelas na Saúde pública e sabemos bem quais são! Por omissão de recursos? Por erros de gestão? As duas coisas, pensamos. Não houvesse o absurdo da Desvinculação de Receitas da União (DRU) aplicada ao Orçamento da Seguridade Social, não haveria desvio sucessivo, ano a ano, de recursos que, se usados principalmente na Saúde e na Assistência Social, transformariam para melhor a qualidade dos serviços prestados e o perfil do povo brasileiro, o mais carente e necessitado.

Os estudos da ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) estampam em suas publicações que, de 2005 a 2010, foi alcançado da Seguridade Social o espetacular montante de R$ 309,86 bilhões! Este é o saldo acumulado, que foi desviado pela DRU e, parte, retida no Tesouro Nacional. Os números estão aí para comprovar.

Por que defendemos a tese da irregularidade da utilização do mecanismo da DRU nas receitas da Seguridade Social? Porque princípio constitucional exige a anterioridade da receita para a criação ou expansão de benefícios. Assim, também nos parece que não podem permanecer benefícios com a retirada de seu financiamento. É claro! O que hoje se arrecada para toda a Seguridade Social, não só a Saúde, é suficiente para seus programas e até sua expansão, se for excluída do seu âmbito a inoportuna DRU.

Prova disso foi a própria extinção da CPMF, em dezembro de 2007: dinheiro, na realidade, não falta!

É absurdo pensar que recursos deixem de atender precatórios de segurados do INSS, à saúde da clientela do SUS ou aos cidadãos em estado de vulnerabilidade social, para serem desviados para o superávit fiscal do governo! Às vezes, recursos que sobram após a desvinculação (DRU) são encaminhados, pelo Tesouro, para atender à necessidade de outros órgãos públicos! Cabe alguma explicação das autoridades gestoras do orçamento do país.

Voltaremos ao assunto.
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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Lição de cidadania


Embora possa parecer sonho ou conto de fadas, as notícias nos chegam da França anunciando a participação do empresariado no esforço de recuperação financeira do país. O que causa espanto no cenário do mundo moderno é que esta ação foi espontânea, envolvendo não só os grandes conglomerados financeiros, mas também a adesão dos mais ricos. Já se anuncia a taxação de imposto extra, de 3%, repetindo o que ocorrera entre 1981 e 1987 (no governo do socialista François Mitterand) e entre 1988 e 2001.


O exemplo, que vem de longe e compõe o pacote de austeridade do governo francês, ‘consiste basicamente em fechar brechas e benefícios tributários concedidos às maiores companhias do país’, explica o portal do Itamaraty na internet. Então, entendemos que serão suspensas as benesses concedidas ao empresariado e haverá uma ‘taxação excepcional’, que complementará o programa de reabilitação financeira.

Lá, se faz justiça fiscal: vão pagar os que mais podem; os que detêm o patrimônio e a renda.

A nossa Constituição Federal, recém entrada em sua maioridade, também estabelece os princípios para a taxação mais significativa sobre o patrimônio (grandes fortunas, artigo 153, VII) e rendimentos do capital. E o que já se fez a respeito, ao longo desses 23 anos, no Brasil? Respondemos: nada! A política do lado de cá é taxar pesadamente os trabalhadores e conceder anistias, isenções e renúncias diversas a quem pode pagar. Fosse só isso...

Estamos num embate sério e perigoso. O governo já anuncia, para dezembro próximo, mudanças na concessão de aposentadorias (do RGPS – Regime Geral de Previdência Social), com extensão do tempo de contribuição para, pelo menos, mais sete anos, a fim de compensar a extinção do fator previdenciário. A base de sustentação para os estudos é que o governo precisa ‘proteger a sua receita’. Ora, os benefícios previdenciários não são pagos com receita da União, do Orçamento Fiscal! Tudo o que se continua apresentando à sociedade é falacioso, porque a sua base é insustentável.

É fundamental um pouco mais de clareza na posição dos técnicos que anunciam as propostas. De pronto, considerar a existência de três orçamentos distintos, no Brasil. O que paga os benefícios do INSS, chamemos assim, é exclusivamente o Orçamento da Seguridade Social, sempre superavitário ao longo de toda a existência da Previdência Social. Em 2010, de acordo com publicação idônea da ANFIP e Fundação ANFIP, ‘Análise da Seguridade Social em 2010’, este orçamento deixou o importante saldo financeiro de R$ 58 bilhões, não contestado por qualquer entidade que se dedique à análise e ao acompanhamento dos grandes sistemas do país. O fantástico superávit primário do governo (R$ 350 bi) foi construído com ‘sobras’ do Orçamento da Seguridade Social. Falam disso?

Perguntamos: implantaram o tal fator previdenciário sem qualquer respeito aos direitos dos contribuintes; agregaram ao elenco dos compromissos (programas) da previdência pública pesados encargos, sem a identificação prévia das receitas que os sustentem; e para extirpar esse confisco precisam de salvaguardas? Alegam que essa (esperada) medida põe em risco o orçamento do governo? Não somos amadores nem aventureiros!

Junto com o anúncio estapafúrdio de elevar o tempo de contribuição até quase 50 anos, vem o comunicado de que houve déficit, em julho de 2011, nas contas da Previdência Social. Que irresponsabilidade! Toda a Seguridade Social é bancada pelo seu próprio orçamento (artigo 195 da CF88), sem socorro do Orçamento Fiscal – este sim, deficitário.

Aliás, as discrepâncias de avaliação são notórias: para Arno Augustin, Secretário do Tesouro Nacional, ‘é o melhor julho da história e se deve ao bom comportamento das receitas’; mas para a Secretaria de Políticas da Previdência Social (SPS), órgão do Ministério da Previdência, houve ‘déficit de R$ 2,08 bi’. Coitado do cidadão brasileiro; em quem acreditar?

Em termos de análise da Seguridade, esse pessoal é mesmo muito fraco. Nada entende, precisa voltar ao bê-á-bá, desde 1923, e aprender os conceitos que formaram esse fantástico sistema de proteção social. Eles parecem desconhecer que, para mudar a essência dos seus direitos, tem que aplicar as alterações para quem está ingressando agora na Previdência Pública.

E mais: quem garante que o Congresso Nacional vai votar contra o trabalhador, virando as costas para quem construiu este país?

‘Taí’, vamos esperar...
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